sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Arquitetura e Arte Decorativa do Azulejo no Brasil

Prof.ª Me. Liliane Simi Amaral
fonte:
www.belasartes.br/revistabelasartes/downloads/artigos/2/arq_e_arte_decorativa_do_azulejo_no_brasil.pdf


A utilização de azulejo na arquitetura brasileira iniciou-se como revestimento de barras decorativas e posteriormente em fachadas inteiras. Este processo foi uma herança trazida de Portugal no início da colonização no Brasil. Assim, este trabalho promove um levantamento bibliográfico com o objetivo de registrar cronologicamente a utilização deste tipo de revestimento na arquitetura brasileira demonstrando a influência lusitana nos nossos costumes e na nossa arquitetura.
Inicialmente a utilização deste material não passava de um simples produto de importação, dependente dos tipos e padrões fornecidos pelas olarias portuguesas. Este material tornou-se indispensável na decoração da nossa arquitetura por garantir uma proteção eficaz contra as intempéries de um país tropical, como a abundância de chuva e a ação do sol.
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A azulejaria no Brasil teve início com a ineficácia das Capitanias Hereditárias, período em que foi centralizada a administração no Governo Geral, na pessoa de Tomé de Souza em 1549. Com ele vieram os primeiros obreiros para um planejamento civilizador, com o objetivo de organizar as cidades e vilarejos. Já os artistas e os artífices eram de Portugal, que traziam sua formação estética da Europa, ou ainda alguns destes nascidos no Brasil.
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Nas igrejas e conventos do século XVII, o azulejo decorativo torna-se peça imprescindível e a encomenda destas peças era feita por milheiros já que a padronagem de repetição, generalizada em Portugal, era adaptável a qualquer edifício, independentemente de limites de enquadramento.
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Por volta de 1630, com a chegada dos holandeses no Nordeste do Brasil, nos primeiros anos de ocupação trouxeram para Pernambuco grandes quantidades de materiais de construção, não só por iniciativa da Companhia das Índias Ocidentais, mas também por empreendedores particulares que vieram tentar fortuna no Brasil. Dentre os materiais, os azulejos, como os da igreja do Convento de Santo Antônio do Recife, onde o Conde João Maurício de Nassau mandou assentar 20 mil ladrilhos no piso.
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Em 1650, a cana-de-açúcar como um modelo agrícola monocultor e em plena atividade em torno de vários núcleos urbanos, por toda a extensão da costa leste do litoral brasileiro, começou a estabelecer a forma definitiva da moradia no Brasil. Vários fatores concorreram para o estabelecimento deste formato de moradia, tais como o clima tropical úmido, a flora, o gentio da terra, mas o mais importante de todos eles foi o colonizador português com seus usos e costumes. Posteriormente a casa no Brasil será adequada à realidade social e geográfica, como os telhados de beirais alongados por causa das chuvas.
A utilização de azulejos como revestimento vem garantir a proteção eficaz contra as intempéries deste país tropical, com abundância de chuva e a ação do sol. Segundo Santos Simões é precisamente no Brasil, e ainda no século XVIII, que o azulejo sai dos interiores e vai revestir as fachadas, tornando-se um elemento decorativo.
Na primeira metade do século XVII, independente das dificuldades de transporte e dos elevados preços dos azulejos, este tipo de revestimento foi muito empregado na decoração arquitetônica do Brasil Colônia. Nesta época os azulejos eram todos importados de Portugal, pois não existia produção deste tipo de material aqui no Brasil.
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O período Colonial – séc. XVIII – foi marcado pelo trabalho escravo e pela precária tecnologia no Brasil. Neste período a arquitetura seguia uma tradição portuguesa em que as casas, urbanas ou rurais, eram construídas segundo a padronização fixada nas Cartas Régias ou em posturas municipais, de modo uniforme.
No século XVIII os padrões policrômicos dos azulejos são substituídos pelos azulejos azuis sobre um fundo branco de influência dos ceramistas holandeses. Os azulejadores de Portugal começam a utilizar a técnica do óxido de cobalto para obter o azul, e ganha popularidade chegando ao Brasil.
Com a vinda da família real para o Brasil e da Missão Artística Francesa, trazida por D. João VI, inicia-se a divulgação do Neoclássico. A presença da Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro favorece a implantação de materiais refinados na construção e o aperfeiçoamento das técnicas dos países mais adiantados da Europa. O gosto pelo azulejo acaba determinando uma característica na arquitetura imperial tornando-se um elemento essencial não só no exterior como no interior das casas e igrejas.
A abertura dos portos e a integração do país no mercado mundial possibilitaram a importação de equipamentos, que contribuiu para a mudança na aparência das construções dos maiores centros no litoral brasileiro, respeitando as técnicas tradicionais. As paredes, de pedra ou de tijolo eram revestidas e pintadas e nos interiores revestiam as paredes de papéis coloridos de motivos ornamentais importados da Europa, disfarçando as construções grosseiras.
As modificações mais importantes se deram na segunda metade do século XIX, com a decadência da escravidão e o desenvolvimento da imigração europeia. O hábito de construir e de habitar apresentará alterações em decorrência das transformações socioeconômicas e tecnológicas. Com a crescente exportação de café, o Brasil conseguiu uma posição cambial favorável, que possibilitou a generalização do uso de equipamentos importados, libertando os construtores do primitivismo das técnicas tradicionais.
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Na segunda metade do século XIX, surgiu um número crescente de edifícios para adaptar-se aos centros urbanos, instalaram-se redes de abastecimento de água, de iluminação e esgoto e as primeiras linhas de transporte coletivo. (...) A arquitetura do fim do século XIX já alcançava um nível elevado de realizações técnicas, dentro dos padrões acadêmicos.

A Fabricação no Brasil

Em 1861, destaca-se a fábrica de azulejos Antônio Survílio & Cia. em Niterói (RJ). Seus azulejos, de boa qualidade, teriam sido expostos na I Exposição da Indústria Nacional. Outros fabricantes de azulejos, José Botelho de Araújo e Rougeot-Ainé, ambos sediados no Rio de Janeiro, são citados na II Exposição da Indústria Nacional realizada cinco anos depois. Na terceira e quarta exposições, de 1873 e 1875, respectivamente, e na Exposição da Indústria Nacional de 1881, há notícia de trabalho de faiança e de outros produtos cerâmicos.
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No Brasil, a primeira indústria a produzir a porcelana para revestimento foi a Cia. Cerâmica do Rio de Janeiro, fundada por Américo Ludoff em 1910, que sucedeu à Cia. De Grés e Faiança Nacional, construída em 1907, que deu início à fabricação de ladrilhos de Grés.
Na segunda e terceira décadas do século XX surge o movimento Neocolonial que procurava valorizar as expressões regionais da arquitetura tradicional brasileira. Em 1912 o arquiteto português Ricardo Severo defende o culto à tradição com o uso da azulejaria.
O arquiteto Victor Dubugras, inicialmente ligado ao movimento Art Nouveau, que vem mais tarde aderir ao movimento Neocolonial em 1914, por encomenda do então prefeito de São Paulo, Washington Luiz, para as comemorações do Centenário da Independência do Brasil, projetou uma fonte e um bebedouro de cavalos, sustentado de colunata apoiando um frontão sinuoso decorado com um painel de azulejos pintados por José Wasth Rodrigues, conforme ilustrado na figura abaixo. O azulejo assume posição de destaque e renovação e de expressão plástica, como uma redescoberta das raízes lusitanas.


Este painel tinha como tema a vida tropeira, que por ali chegavam as tropas vindas de Sorocaba. Foi o primeiro painel descoberto de São Paulo e o processo de queima destes azulejos se deu na olaria da família Ranzini, na Lapa.
A Fábrica Santa Catarina de Romeu Ranzini, fundada em 1912, prosperou rapidamente com o fim da I Guerra Mundial e com o crescimento da indústria de construção civil, por volta dos anos 20, propiciando as importações de azulejos. Nesta mesma fábrica foi executado o processo de queima do painel que descreve a passagem da vida da fundadora da Ordem das Carmelitas de autoria de Paulo Rossi Osir.
Nesta mesma época surgiram oficinas artesanais para a queima de azulejos pintados, como por exemplo a Ceramus, de Francisco Azevedo, onde Antônio Paím Vieira iniciou o processo de queima de seus azulejos. Entre 1937 e 1938, Paím adquiriu o seu próprio forno a lenha que manteve até 1943. Somente em 1947 voltou a colocá-lo em funcionamento onde fez a queima dos azulejos que criou para a igreja de Nossa Senhora do Brasil em São Paulo. O azulejo reveste a capela-mor, altares laterais, corredores, portas e fachada do edifício, só finalizando este trabalho em 1970.
Em 1919, no Rio de Janeiro (RJ), foi implantada a Manufatura Nacional de Porcelana, que produzia louça doméstica, artefatos e isoladores elétricos de porcelana e a partir de 1931, quando foi incorporada ao Grupo Klabin, começou a fabricação de azulejos.
Citamos também, de interesse, a Cerâmica artística Conrado Sorgenicht, que executou o processo de queima do último painel de azulejos desenhado por Cândido Portinari, para a sede social do Pampulha Iate Clube, de Belo Horizonte (MG).
Em 1940 surge a Osiarte e seu diretor é Paulo Rossi Osir, que se dedicava à produção de azulejos. Este ateliê surgiu para executar os azulejos criados por Portinari para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro (RJ) e a igreja da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), como pode ser observado na figura abaixo.


Nas décadas de 40 e 50, as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, que usava a técnica do baixo esmalte, produzia e expunha os trabalhos desenvolvidos por vários artistas como Alfredo Volpi, Mário Zanini e Hilde Weber, onde a principal temática eram cenas folclóricas e populares. Em 1950 Osir e Volpi se afastam da Osiarte, que toma um caráter empresarial, que começa a executar encomendas de outros artistas como Burle Marx e Caribé.
A produção da Osiarte, vem ao encontro de uma nova concepção de vida, do homem conviver em espaços harmonicamente integrados, onde a arquitetura, as imagens, as cores e os objetos constituem um todo projetado com requintes e funcionalidade. Nesse sentido, o azulejo satisfazia à necessidade de durabilidade dos revestimentos de parede, continuando uma tradição cara para o Brasil colonial e suas raízes portuguesas.
Com a vinda do arquiteto Le Corbusier ao Brasil, vários arquitetos adotaram o uso de azulejaria em suas obras arquitetônicas e a utilização de materiais da terra. A sua presença, em 1929 e 1936, foi um estímulo ao emprego do azulejo. Arquitetos como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos, ouviram de Le Corbusier lições sobre a valorização dos materiais locais, inclusive velhos hábitos como o uso de azulejos nas edificações.
Estes arquitetos começaram a utilizar este material não só como elemento funcional, mas também como um material nobre que serviria magnificamente como suporte a novas expressões plásticas, criando uma conexão entre arquitetura e a arte, a arte da azulejaria, conforme as figuras abaixo.



A partir da década de 40 é que surgem as pastilhas cerâmicas hexagonais ou octogonais e as cerâmicas lisas ou decoradas como revestimento para as fachadas e interiores das residências. Na década de 50 os materiais de revestimento começam a apresentar uma preocupação formal, além de serem laváveis e duráveis. Em meados de 1953, nas casas, os azulejos eram aplicados nos banheiros e cozinhas, apenas com a preocupação funcional, os azulejos eram brancos sem nenhuma preocupação decorativa.

Nos anos 60, os materiais de revestimento melhoram em qualidade e apresentam diversidade de padrões, azulejos decorados ou em cores lisas, peças de acabamento de pisos vitrificados. Os anos 70, com a valorização do corpo e da higiene íntima, a indústria nacional de azulejos e materiais sanitários aparecem em franca ascensão. Surgem em larga escala os azulejos decorados, de padrões variados, os pisos cerâmicos tomam conta do mercado imitando alguns modelos do passado com diversas texturas e cores. A partir deste período encontraremos no mercado uma variedade de azulejos e revestimento de pisos, de formas, cores e padrões variados, mas ainda busca-se no passado, nas raízes, fonte de inspiração para se repensar o uso do azulejo nos tempos atuais.

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